Obra coletiva articula marxismo, teoria cuir e análise do discurso para mostrar como o sistema sexual é uma infraestrutura do capitalismo
São Paulo, 2025 — Em um momento de intensos debates sobre gênero, sexualidade e justiça social, chega às livrarias Materialismos anais, um livro que promete sacudir as Ciências Humanas. Segundo volume do projeto Cutucando o cu do cânone, a obra, organizada por Rodrigo Parrini, Rick Afonso-Rocha e Bruno Pacheco, propõe uma ousada inversão teórica: colocar o ânus — sim, o ânus — no centro da crítica ao capitalismo, como um sítio epistemológico, um arquivo vivo dos corpos subalternizados e um significante revolucionário.
Longe de piadas fáceis, o livro desenvolve o que chamam de "materialismo anal": uma abordagem teórica que combina marxismo, anarquismo, análise materialista do discurso e genealogia foucaultiana para demonstrar que o sistema sexual — conjunto de normas, valores e práticas que regem gênero e sexualidade — não é apenas cultura ou moral, mas uma infraestrutura do capitalismo, ao lado da propriedade privada e da divisão do trabalho.
“O sistema sexual é uma parte do sistema capitalista”, afirma Rick Afonso-Rocha, um dos organizadores. “Ele disciplina corpos, regula desejos e produz inimigos sociais — homos, trans, mulheres, negros — para desviar o ódio de classe e manter a superexploração invisível.”
A tese central da obra é que o capitalismo, para se manter, precisa fabricar o inimigo social: aquele que será responsabilizado pelas crises, pela decadência moral, pelo “caos social”. Esse mecanismo, segundo os autores, desvia a raiva da classe trabalhadora da burguesia e a direciona aos corpos que fogem da norma. Enquanto isso, a lógica do lucro segue intocada.
É nesse contexto que surge o conceito de anarquismo anal — uma articulação entre teoria cuir e materialismo discursivo que rejeita o reconhecimento liberal e a representação como soluções políticas. “Lutas por direitos não bastam se não atacarem a raiz: o modo de produção capitalista”, explica Nai Monteiro. “O que está em jogo não é ser visto, mas ser livre.”
A obra dialoga com pensadores como Louis Althusser, Michel Foucault e Silvia Federici, mas rompe com o cânone ao propor o cu como significante munificente — amplo, excessivo, descontrolado — em contraste com o falo, símbolo de falta e poder. “Se o falo é o Um, o cu é o múltiplo, o que não pode ser engolido”, escrevem os organizadores. “É o lugar do que retorna: o traumático, o inenarrável, o inaudível.”
Com textos que transitam entre filosofia, linguística, antropologia e política, Materialismos anais reúne vozes da América Latina para repensar a história a partir dos restos do social — os corpos apagados, as memórias infames, as vidas consideradas indignas de memória. E, nesse processo, propõe uma pergunta incômoda: e se a verdadeira revolução começar justamente onde o poder mais teme?
Ficha técnica:
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