Os dois volumes desta antologia – “Desejos” e “Performances” – ampliam e desestabilizam o cânone literário nacional, reconstruindo o contexto em que este se consagrou. Por um lado, Dissidências oferece inúmeras surpresas e descobertas, seja em textos de autores esquecidos, cuja obra trata de questões de gênero e sexualidade – como Laurindo Rabelo, Ferreira Leal, Nestor Vitor, João Luso, Vinicio da Veiga, Laura Villares e outros – seja em textos pouco conhecidos de autores já consagrados, como Bernardo Guimarães, Joaquim Manuel de Macedo, Machado de Assis e Coelho Neto. A eles se juntam aquelas obras que configuram quase um subcânone de representações lgbt na literatura brasileira, como os de Raul Pompeia, Aluísio de Azevedo, Adolfo Caminha e Mário de Andrade. Os quase cem anos cobertos pela antologia – um longuíssimo século XIX – representam também um período decisivo para se compreender o lugar do Brasil na história do gênero, das sexualidades e das homossexualidades ocidentais. ____ “Ao fundo de um corredor imundo e mal iluminado por um lampião de querosene, de chaminé enfumaçada, o mocinho imberbe parou, meteu a mão numa das algibeiras, tirou a chave e introduziu-a na fechadura. Entraram e a porta fechou-se sobre eles. [...] Félix olhou para o lugar indicado e viu, de fato, uma estante-armário cheia de livros. Aproximou-se e verificou que ali se achavam alinhadas as melhores obras dos nossos mais apreciados prosadores e poetas. – Já leste tudo isso? – Já li e reli. – Qual é teu poeta predileto? – Alberto de Oliveira. – Ah!... E não gostas do Bilac? – Gosto, mas não como poeta. – É verdade! Ainda não te perguntei como te chamas!... – Basta que saiba o meu nome de guerra, porque o de batismo não o digo a ninguém. – Qual é o teu nome de guerra? – Oscar, tomei-o em homenagem àquele poeta inglês Oscar Wilde, que foi processado em Londres por exercer as funções que eu o os outros exercemos. Uma injustiça! Cada um deve dispor do que é seu da forma que entender, não acha? Depois... o pobre Oscar Wilde não fazia aquilo por interesse, era só por amor e amizade... E o nosso herói chegou a comover-se ao relembrar o martírio do poeta inglês, que morreu cumprindo a pena a que fora condenado por inversão sexual...” (“Uma extravagância”, em A casadinha, folhetim assinado Symphrônio Perillo) César Braga-Pinto é doutor em literatura comparada pela Universidade da Califórnia, Berkeley, e professor de literatura brasileira e comparada na Northwestern University. É autor, entre outros, de A violência das letras: amizade e inimizade na literatura brasileira (1888-1940). (EdUERJ, 2018), além de dezenas de artigos sobre João do Rio, Raul Pompeia, Adolfo Caminha, Gilberto Freyre, Mário de Andrade, entre outros. Vive entre São Paulo e Chicago. Helder Thiago Maia é doutor em literatura comparada pela Universidade Federal Fluminense, e atualmente realizada estágio de pós-doutorado em Estudos Comparados de Literaturas de Lingua Portuguesa, na Universidade de São Paulo, com bolsa FAPESP 2018/19521-4. É autor de O devir darkroom e a literatura hispano-americana (2014) e Cine[mão]: espaços e subjetividades darkroom (2018). É editor da Revista Periódicus (UFBA) e pesquisador do NuCuS (UFBA).
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